sexta-feira, 22 de maio de 2015

CASANOVA

Oh meu claro obscuro companheiro, como podes sustentar 
tamanha incompreensão, 
longos surtos e devaneios numa casa em delírio... 
Assaltada pelo fogo, incêndio da paixão? Como pode ainda se manter
Tão belo, plácido rosto de irretocáveis feitos, como pode se manter
Estruturável, no mínimo, inabalável, diante de tantas telhas e azulejos
Que iam caindo insuspeitos ao redor, as chamas de Don Giovanni,
Crescentes dia a pós dia no teu leito encharcado de lágrimas e suor?
Como pode sustentar meu peso numa forca de arame, e do suicida
Peito me arrancar a aguda faca, aos pés me aportando frágil andaime?
Pois somos assim, indivisíveis, e quando juntos não conseguimos
Separar dói demais a dor de ser um só... o mesmo ar intransferível e que nos funde
Como orgânico sentimento de empática companhia! Como podemos
Subsistir nos mesmos versos, se logramos ao escutar diferentes
Melodias? Eu o silêncio palpável das noites, tu as luzes flamejantes
Do claro dia...

Somos belos mortais triunfantes até o momento de sermos de verdade
Um só, na tumba do desfalecimento, o que nós resta além do pó?
Alma secreta, fé infinita, noutros segredos dos campos floridos das
Memórias que nunca tive das tantas outras vidas que vivi? E se morri
Em todas elas, para que continuar a existir, morrendo? Existência das mortes
Infinitas, vinde para sermos iguais, reflete em meu espelho os primeiros
Traços das minha rugas imortais.... o contrapeso do sonho e da ilusão
De sermos mais que um só, ao sermos dois  em expansão...como caber
Num mesmo quarto dois corpos no caixão? Os amantes e os atos de amar
Para além dos dias? Quais dias, os que não vemos? Quais dias, os que
Não sofremos? Quais dias, senão somente aqueles que temos, e que somos
Tão iguais, humanos tão humanos morrendo de saudades, de tristezas
E de amor, estaremos salvo não amando quando se amar tornou-se
Apena mais uma cor, nesse descolorido mundo dissolvido, mais um
Jogo de preenchimento, para nosso vazio pertencer um pouco menos
Desocupado? Para que ser belo e estrangeiro se não podemos ser amados
Tudo parte como foi, tudo ao longo de nós, sempre se desmanchará,
Se ao menos pudéssemos ficar....com o milagre desse amor que ainda restou!
Se ao menos pudéssemos amar sem já saber que terminou! 
Se ao menos pudéssemos ser mais, apenas um pouco mais de tudo que ja foi
Ser mais do que inesgotáveis esforços no acúmulo do infinito de areia...
Um deserto de ossos que foram vidas, e hoje
são poeiras....


As tais traças devoradoras dos nossos traços nas prateleiras, as gorduras         
Que perdemos na vaidade de uma esteira, sim, somente porque achamos
Que para sempre será... misticamente científica, a verdade mágica
Nos salvará, do nada e do aniquilamento, da morte, da dor de ser
Apenas pó e esquecimento...e nada mais, de sermos hoje o projeto
Dos arqueólogos de nós mesmos, no amanhã...os sonhos tantos soterrados
Sobre as dunas do passado, os teus beijos de espuma eram somente eles
E nada mais... sumindo feito as ondas dos mares que vão e que se partem, 
e que voltam nunca iguais....
Tudo isso que sofremos para sermos somente um pouco,
Um pouco mais....
Para que dure somente o tempo de podermos não nos esquecermos nunca
Seja hoje ou seja ontem
Não nos esqueceremos Jamais...
j’aimais...


FC




                                                              DON GIOVANNI 

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