sábado, 16 de maio de 2015

DANÇA GONDOLAR

Pela finestra penetrava o sol, o resquício de dia escorria pelo mármore da banheira...o gosto de formol das águas lânguidas de nossa lua de fel,,, ! o mel extraído dos sonhos e o fel dos meteoros caídos do céu! românticas estrelas confundiam as trevas com o candelabro de prata no corredor ao nosso lado,,, O Palazzo amaldiçoado!!! Era tempo de se olhar no espelho, arroxeado, tempo de se mascarar... era carnaval, e podíamos nos esconder atrás das penas, dos remorsos, das cenas mal feitas da noite anterior, podíamos nos dizer adeus, sem nos despedir no momento do imediatamente agora...sim, diluir a despedida para sempre, até não ter mais porque nos despedirmos mais, até não ter mais porque fingir que não morremos em Veneza naquela primeira e última vez...

Escolheríamos ou pressentiríamos o tempo certo de dizer adeus graças a intensidade dos sonhos e do tamanho da montanha vista dentro de nós...Era poder cair do Etna depois de o ter acordado com carinhosas canções de ninar... sentir o sabor da queda, e a violência de sua erupção na altura da torre mais alta de nosso castelo de sonhos e recíprocas gentilezas! Como foste grande, tu que és apenas um menino....como foste um Homem!!!

Fingimos não sentir as águas dos canais florindo podre em nossas taças de champanhe tão liberais, tão assassinas... não escutamos de propósito os bélicos sinais, não antevimos as maldições e desprezamos o teor das lendas... elas diziam para não levar os enamorados para lá... a cidade está afundando sem que os corações percebam...eles estão demasiadamente ocupados para notarem esses pequenos detalhes de superficial engenharia!!!! Tudo já indicava o fim,  menos o brilho do nosso olhar!! Mas esse final é extremamente arbitrário, e só vem quando ele quer..., quando se esgota de recomeçar, de negar-se a si mesmo até o fim!

Estava tudo lá, desde o início, o negrume da peste ainda circundante, a visível vibrante cor negra mortuária das gondolas funerárias...as canoas de amor reclusas no fundo da hospedaria, vazias, que nos carregavam feito dois defuntos amantes sobres as águas cantantes dos canais, o nosso romance flutuante, em baixo das pontes, cruzando o Rialto e os becos entrelaçados desse labirinto aquático sem saída... ao redor das igrejas e dos santos....o nosso passear no silêncio remoto de dois anjos calados! Assustados! Sobressaltados!!! Um bem estar indescritível, apesar de todos os desmoronamentos, a cidade não afundava, e as violetas brotavam das floreiras venezianas quando passávamos, e cantavam, cantavam até o fim, como uma flor dotada de voz.... tuberculosa, datada, mas exuberante até a última pétala...até o último raio de sol!!! até o último instante de poder estar respirando compulsivamente ao teu lado como se a vida não fosse feita para ter um final! Como se  o amor pudesse, como a cidade dos sonhos flutuantes, sobreviver aos séculos, e não afundar como um barco tragado pelo temporal!!!

A cidade partiu, o sonho acabou... na janela, a violeta morreu,  quando afogada em lágrimas, por saudades morais sacrificou o seu amor, a sua voz, e a sua cor!


FC



                                                                    
                                                                    RIALTO

Um comentário:

  1. LINDO D++++++++ !!!!! CONSEGUIU RETRATAR A REALIDADE DE MANEIRA LEVE E PROFUNDA......AMEI ......

    ResponderExcluir